quinta-feira, maio 31, 2007

Recomendações médicas

Chega a ser irônico! Todos dizem o mesmo, com relação às doenças: "Se notar alguma anormalidade, procure um médico imediatamente. Quando a doença é descoberta no início, a probabilidade de cura é muito maior."
Certo, então você liga para marcar uma consulta. "Infelizmente só temos horário para daqui a 20 dias." Ok, ok. Se for grave, em 20 dias em já morri! E onde fica o "imediatamente" da história?

:(

terça-feira, maio 29, 2007

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Não medem as palavras. Falam, falam, falam. Não respeitam nada. Falam mal. Alguma razão eles têm, não nego. Mas zombam. Um dia se arrependerão, ou não. Contudo, sofrerão as consequências.

quarta-feira, maio 23, 2007

Tudo o que Lava faz é intenso. Quando come, ele suspira. Quando se sente solitário, geme. Quando está cansado, deita-se e, em poucos segundos, já está roncando. Quando quer brincar, fica saltando diante de você, morde os laços de seus coturnos, não se aquieta, não pede desculpas; simplesmente usa tudo o que pode para atrair a atenção.
Mas eu não estou com vontade brincar. Fico sentado no chão e o puxo para o meu colo, onde ele rola de barriga para cima com as patas para o ar. É morno ali. E bate muito sol. Então, fico sentado, esfregando a barriguinha dele enquanto ele estica as patas para o alto, e pensando o que será dele se eu morrer. (...)
O Iraque tem nuvens incríveis. Quando a gente senta no meio do deserto e olha para cima, é como se estivesse num quadro. É bonito demais para ser verdade, por isso eu viro Lava de cabeça para cima e aponto para o céu. Ele acompanha meu gesto olhando para o branco e o azul do céu.
"Escolha sua nuvem, amiguinho. Escolha sua nuvem."

(De Bagdá, com muito amor. Jay Kopelman)

quarta-feira, maio 16, 2007

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"Tio Leão XII se ocupou dos detalhes da operação como se fosse em sua própria carne. Tinha um interesse singular pelas dentaduras postiças, contraído numa de suas primeiras navegações pelo rio Madalena, e por culpa de sua dedicação maníaca ao bel canto. Numa noite de lua cheia, à altura do porto de Gamarra, apostou com um agrimensor alemão que era capaz de despertar as criaturas da selva cantando uma romança napolitana do passadiço do comandante. Por pouco não ganhou. Nas trevas do rio sentia-se o voejar das garças nos pântanos, o rabear dos jacarés, o pavor das savelhas procurando saltar em terra firme, mas na nota culminante, quando se receou que as artérias do cantor se fossem romper com a potência do canto, a dentadura postiça lhe saltou da boca com o alento final, e afundou nas águas.
"O navio teve que demorar três dias no porto de Tenerife, enquanto lhe faziam outra dentadura de emergência. Ficou perfeita. Mas na navegação de volta, tratando de explicar ao comandante como perdera a dentadura anterior, tio Leão XII aspirou a pleno pulmão o ar ardente da selva, deu a nota mais alta de que foi capaz, susteve-a até o último alento procurando espantar os jacarés deitados ao sol que contemplavam sem pestanejar a passagem do navio, e também a dentadura nova afundou na corrente. Desde então teve cópias de dentes por toda parte, em diferentes lugares da casa, na gaveta da escrivaninha, e uma em cada um dos três navios da empresa."

(O amor nos tempos do cólera. Gabriel García Márquez)

sábado, maio 12, 2007

Mas ele era um protagonista implacável da vida. Bastava o tropeço de um dúvida para que ele empurrasse o prato na mesa, dizendo: "Esta comida foi feita sem amor." Nesse sentido chegava a rasgos fantásticos de inspiração. Certa vez, mal provou uma tisana de camomila devolveu-a com uma única frase: "Esta droga está com gosto de janela". Tanto ela quanto as criadas se espantaram, pois ninguém sabia de alguém que tivesse bebido uma janela fervida, mas quando provaram a tisana procurando entender, entenderam: tinha gosto de janela.

(O amor nos tempos do cólera. Gabriel García Márquez)

quarta-feira, maio 09, 2007

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Então se dissiparam todas as dúvidas, e pôde fazer sem remorsos o que a razão lhe indicou como o mais decente: passou uma esponja sem lágrimas por cima da lembrança de Florentino Ariza, apagou-o por completo, e no espaço que ele ocupava em sua memória deixou que florescesse uma campina de papoulas. A única coisa que permitiu a si mesma foi um suspiro mais fundo que de costume, o último: "Pobre homem!"

(O Amor nos Tempos do Cólera. Gabriel García Márquez)